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O Desporto Salvou-me a Vida

O Desporto Salvou-me a Vida

Fala-se muito sobre os benefícios do desporto para o corpo — melhora o condicionamento, fortalece os músculos, ajuda a controlar o peso. Mas e a mente? E o que se passa cá dentro, quando tudo parece desabar? O desporto, para mim — e para tantos outros — não é só uma questão física. É uma tábua de salvação emocional. Um ponto de equilíbrio. Um grito silencioso de resistência quando o mundo parece demasiado pesado.

A saúde mental precisa de cuidados, de tempo, de escuta… mas também precisa de movimento. Porque quando o corpo se mexe, a mente começa a respirar. Quando nos obrigamos a dar aquele passo, a subir aquela colina, a terminar aquela corrida — mesmo sem vontade — estamos a dizer à nossa mente: “Eu ainda estou aqui. Eu ainda estou a lutar.”

Quantas vezes saímos para treinar contrariados, com a cabeça cheia de nuvens? E quantas vezes voltamos mais leves, com o coração a bater forte não só pelo esforço, mas pela sensação de conquista? O desporto ensina-nos resiliência, foco, disciplina — e, acima de tudo, devolve-nos pequenas vitórias diárias que são gigantescas quando se vive com ansiedade, tristeza ou depressão.

Não se trata de performance. Não se trata de bater recordes. Trata-se de estar vivo. De sentir. De ter, mesmo nos dias escuros, um momento de luz. Pedalar, correr, nadar, caminhar… cada gesto é um lembrete de que somos capazes. E é nesse lembrete que começa, muitas vezes, a cura.

Se estás a passar por um momento difícil, se sentes que estás a perder o chão, experimenta mexer-te. Devagar. Sem pressa. Um passo de cada vez. Não para fugir de ti, mas para te encontrares. Porque o desporto pode não ser a única resposta — mas é, sem dúvida, uma poderosa aliada na luta pela nossa saúde mental.

Há pouco mais de um ano, fui diagnosticado com depressão. Não foi fácil aceitar. Ainda hoje me custa escrever estas palavras, mas já o faço sem vergonha, com a coragem de quem passou pelo inferno e está, passo a passo, a voltar à superfície.

Neste texto quero falar de um dos pilares que me manteve vivo — o desporto. Não foi o único, claro. Tive acompanhamento médico, psicológico, e o apoio de pessoas importantes. Mas o desporto… o desporto foi o que me manteve de pé quando tudo à minha volta desabava. Foi o que me impediu, mais de uma vez, de desistir de tudo.

Sempre fui alguém que treinava todos os dias. Tinha objetivos — alguns competitivos, outros apenas pessoais — e isso sempre me motivou. Mas quando a depressão chegou, aquela vontade desapareceu. De um dia para o outro, o que antes me dava prazer começou a parecer inútil, cansativo, pesado. Treinar deixou de ser fácil. E todos os dias, a luta começava logo ao acordar.

“Fica na cama. Para quê treinar? Para quê cansar-te? É mais fácil ficar aqui.”

Este era o diálogo diário na minha cabeça. Mas mesmo com esse peso, com essa vontade nula, havia algo mais forte: as metas que tinha definido. Sabia que, lá no fundo, mesmo num estado deprimido, eu ainda queria cumpri-las. Por isso, contrariava os pensamentos, pegava na bicicleta, e ia. Contrariado, sim. Sem vontade, muitas vezes. Mas ia. Nem sempre fazia o que tinha planeado — muitas vezes fazia menos — mas fazia alguma coisa. E isso já era uma pequena vitória.

Olho para trás hoje, numa fase já mais avançada do meu tratamento, e sei que caí num poço sem fundo. Tentei o suicídio duas vezes. E com honestidade crua, digo: só não tentei mais porque havia algo que me prendia à vida — a bicicleta. Porque pedalar ainda me fazia sentir algo bom. Porque a cada pedalada sentia uma alegria que, por breves momentos, abafava a dor. Treinar dava-me um motivo para esperar pelo amanhã.

Era simples: preferia sentir aquela felicidade intensa de um treino bem feito, do que voltar a tentar tirar a minha própria vida. E isso, por mais duro que pareça, foi o que me manteve cá.

Repito sempre isto aos meus terapeutas: “Se não fosse a bicicleta, eu já não estaria entre nós.” E digo agora a quem estiver a ler isto e estiver a passar por algo semelhante: não desistam. Lutem. Agarram-se a algo. Se puderem, agarrem-se ao desporto. Não precisa de ser muito, não precisa de ser perfeito. Mas movam-se. Façam qualquer coisa. Porque o movimento, mesmo pequeno, é vida. E porque o desporto, aliado a outras formas de ajuda, pode ser a luz nesse túnel escuro em que às vezes caímos.

O desporto não cura tudo, mas pode ser a diferença entre cair e continuar de pé. Entre o desespero absoluto e a esperança silenciosa.

Por isso, por tudo o que vivi, digo-te: o desporto pode salvar-te. Como me salvou a mim.

 

Créditos: texto Joel Pereira

 

 

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