Bicicletas, Sinistralidade e Mobilidade: Como Pedalar Pode (Ainda) Salvar as Nossas Cidades
Nos últimos anos, Portugal assistiu a um crescimento notável na utilização da bicicleta como meio de transporte e de lazer. O que começou como um movimento de nicho tornou-se, gradualmente, parte da paisagem urbana. Mas com esse crescimento veio também uma preocupação legítima: o aumento dos acidentes envolvendo ciclistas.
Segundo dados da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), os acidentes com bicicletas aumentaram 41% entre 2019 e 2023, com mais de 3 200 ocorrências em 2023. Só nos primeiros quatro meses de 2025, registaram-se mais de 600 acidentes, com quase 500 feridos, 16 deles graves. A pergunta impõe-se: estamos a pagar um preço alto demais pela mobilidade suave?
A resposta é mais complexa – e, felizmente, mais promissora – do que os números sugerem.
Quando a ignorância é o maior perigo na estrada
Há poucos dias, publiquei um vídeo curto nas redes sociais onde partilhava um momento tenso: circulava de bicicleta, a par com outro ciclista, numa via com duas faixas e largura mais do que suficiente, praticamente sem trânsito. Estávamos em transito, bem posicionados, e em total conformidade com o Código da Estrada, que permite a circulação a par em determinadas condições, justamente por razões de segurança e visibilidade.
Mesmo assim, um automobilista decidiu buzinar agressivamente, cortar-nos a trajectória, e — pior — saiu do carro para nos ameaçar fisicamente. Uma tentativa clara de intimidação, sem qualquer provocação da nossa parte.
Mais surpreendente do que o próprio incidente foram os comentários que se seguiram ao vídeo: dezenas de pessoas — algumas bem intencionadas, outras claramente hostis — garantiam que andar a par “atrapalha o trânsito” e “devia ser proibido”.
Ninguém pareceu reparar que:
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A estrada estava praticamente vazia;
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O automobilista não foi impedido de ultrapassar;
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E, sobretudo, que a nossa posição era não só legítima, mas defensiva, prevista na lei precisamente para evitar acidentes graves.
- Nós estavamos em trânsito e por isso com toda a legitimidade na utilização da via.
Este episódio mostra que, mais do que falta de infraestrutura ou fiscalização, a desinformação e o desconhecimento da lei são, hoje, dos maiores perigos para quem pedala.
Mais ciclistas, mais acidentes… mas menos risco?
Este fenómeno já foi estudado internacionalmente. O conceito de “Safety in Numbers” mostra que, embora o número absoluto de acidentes possa subir com mais ciclistas na estrada, o risco individual tende a baixar. Copenhaga, referência mundial, aumentou em 44% o número de ciclistas entre 1995 e 2006 e reduziu os feridos graves em bicicleta em 60%.
Porquê continuar a apostar na bicicleta?
Apesar dos riscos e do preconceito, a bicicleta continua a ser uma das melhores decisões para a saúde das cidades e das pessoas.
Para as cidades:
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Reduz o tráfego, o ruído e a poluição.
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Liberta espaço urbano para as pessoas.
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Melhora a segurança global com velocidades médias mais baixas.
Para o cidadão:
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Fortalece o sistema cardiovascular.
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Reduz o stress e melhora o bem-estar.
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É uma solução económica e sustentável.
️ Pedalar com mais segurança… e mais respeito
Sim, cada ciclista deve cumprir o Código da Estrada, usar luzes, capacete e circular com precaução. Mas isso não chega se a maioria dos condutores continuar sem saber que o ciclista:
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Pode circular a par (art. 90.º CE),
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Pode ocupar a via de forma central quando a segurança o exige,
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Tem os mesmos direitos de circulação que qualquer veículo motorizado.
Sem esta base de conhecimento — e sem empatia — continuaremos a ter agressões como a que sofri. E isso não é um problema dos ciclistas. É um problema do sistema.
♀️ Conclusão: pedalar é parte da solução, não do problema
Mais bicicletas devem significar mais saúde, mais segurança e mais cidades habitáveis. Mas para isso, é preciso mais do que infraestrutura: é preciso uma cultura de respeito e conhecimento mútuo.
Não se combate a sinistralidade com buzinas ou agressões. Combate-se com informação, civismo e visão.
Pedalar é, hoje, um ato de coragem — mas também de convicção. E, se persistirmos, será também um ato de transformação.
Já passaste por uma situação semelhante?
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