O relógio marcava 8h43 quando carreguei no GPS e dei início à etapa. O pequeno-almoço tinha acabado de ser servido e, ainda com o sabor do café na boca, pedalávamos rumo ao que sabíamos ser um dos troços mais exigentes: a subida da Serra da Lousã. A estrada, quase sempre silenciosa, devolvia-nos aquela sensação de que o mundo lá fora estava parado e só nós seguíamos, embalados pelo ritmo da bicicleta.
É curioso como a EN2 nos faz sentir ao mesmo tempo livres e isolados. Há momentos em que parece uma estrada esquecida, abandonada, e isso podia ser visto como um defeito. Mas, no fundo, é parte do encanto: a rudeza da paisagem e a ausência de movimento tornam cada pedalada mais íntima, como se a estrada fosse só nossa.
Não é fácil. Ao longo do caminho, poucos estabelecimentos surgem à vista. Aprendemos a dar valor a cada café que ainda abre cedo, a cada fonte de água que aparece quase escondida à beira da estrada. É uma espécie de jogo de sobrevivência, onde cada paragem é estratégica. Por isso, quando chegámos a Pedrógão e mais tarde à Sertã, aproveitámos cada minuto: descansar, reabastecer e preparar o corpo para a quilometragem que ainda restava.
Tivemos sorte — o apoio da carrinha acompanhou-nos, e isso fez toda a diferença. A segurança de saber que tínhamos onde nos apoiar libertou-nos de preocupações. Ainda assim, não deixámos de sentir a dureza de uma estrada onde a oferta é escassa e mal distribuída.
Chegar a Abrantes foi atravessar uma porta. Dali em diante, entrámos no Alentejo profundo, e com ele veio uma nova dificuldade: as retas infinitas. É uma sensação estranha. Pedalas, pedalas, e parece que não sais do mesmo lugar. As subidas não se parecem com subidas, as descidas não aliviam o esforço. É um teste à mente, talvez mais duro do que às pernas.
A chegada a Ponte de Sor soube a vitória. Ficámos no Hotel Ponte de Sor, onde tudo estava pensado para nos receber bem. O quarto, o descanso, o pequeno-almoço que já prometia energia para o dia seguinte. Ao jantar, o restaurante “Talheres”, ali perto, foi a cereja no topo da etapa: bom ambiente, boa comida e aquela sensação de missão cumprida.
No fim, fiquei com a impressão de que gostei de Ponte de Sor. Talvez fosse o cansaço a falar, talvez fosse o contraste com a dureza do caminho. Mas ali, entre o hotel e o restaurante, senti que a estrada nos tinha levado a um bom destino.
Continua…

