Dizem que o maior inimigo do ciclista não é o vento de frente, nem a subida de 12%, nem sequer o piso escorregadio. Não. O verdadeiro inimigo vem ao volante de um SUV, com o ego inflado e, aparentemente, a vida sexual em modo de espera.
Sim, leste bem.
Enquanto milhares de ciclistas pedalam em busca de saúde, liberdade ou simplesmente um pôr-do-sol bonito, há quem, do conforto do banco do carro, liberte frustrações acumuladas — e nem todas elas têm a ver com o trânsito. A irritação com o ciclista que “atrapalha a faixa”, que “anda devagar”, ou que “acha que é dono da estrada”, pode afinal ter raízes mais profundas do que se pensava… e talvez mais íntimas.
A ciência já mostrou que frustração sexual pode estar ligada a irritabilidade, agressividade e até menor tolerância ao outro. E o trânsito, esse palco diário de stress e anonimato, parece ser o sítio perfeito para descarregar tudo isso — preferencialmente contra alguém de licra e capacete.
Mas será que esta teoria faz sentido? Há estudos que apoiem esta ideia ou estamos apenas a projectar problemas de alcova nas ciclovias da vida?
Vamos pedalar por essa estrada juntos — com capacete, bom senso e uma pitada de sarcasmo científico.
O que podemos dizer com base em estudos:
Frustração acumulada leva a comportamentos agressivos
A teoria da frustração-agressão (Dollard et al., 1939) sugere que frustrações constantes — incluindo sexuais — podem aumentar a propensão à agressividade em contextos não relacionados (como no trânsito).
Ou seja: um indivíduo frustrado sexualmente pode ter menor tolerância a contratempos, incluindo a presença de ciclistas na estrada.
Sexo como regulador de humor e stress
Como já referimos, a atividade sexual está associada a níveis mais baixos de cortisol (hormona do stress) e maior estabilidade emocional.
A falta prolongada de sexo, especialmente em pessoas que valorizam muito essa parte da vida, pode potenciar irritabilidade, impaciência e menor empatia — ingredientes típicos em conflitos no trânsito.
Deslocamento emocional (mecanismo de defesa)
Segundo a psicologia psicanalítica, o “deslocamento” é um mecanismo onde a frustração ou raiva não resolvida é redirecionada para alvos mais acessíveis ou socialmente permitidos — como os ciclistas, vistos por alguns como “invasores da estrada”.
O ciclista, neste contexto, torna-se um bode expiatório para um mal-estar mais profundo que pode incluir insatisfação sexual, profissional, relacional ou existencial.
Perfis de personalidade mais intolerantes
Pessoas com traços de personalidade mais autoritários ou hostis tendem a reagir mal a qualquer situação fora do seu controlo — como um ciclista que “lhes tira espaço”.
Estes mesmos traços estão, nalguns casos, correlacionados com repressão sexual, rigidez emocional e baixa inteligência emocional.
Fontes científicas e teóricas que sustentam as conclusões sugeridas na resposta anterior, organizadas por tema:
1. Teoria da Frustração-Agressão
Fonte: Dollard, J., Doob, L. W., Miller, N. E., Mowrer, O. H., & Sears, R. R. (1939). Frustration and Aggression. Yale University Press.
Resumo: Esta teoria clássica da psicologia comportamental afirma que a frustração (isto é, a obstrução de uma meta) aumenta a probabilidade de agressão, muitas vezes deslocada para alvos secundários.
2. Falta de sexo, stress e bem-estar
Muise, A., Schimmack, U., & Impett, E. A. (2016).
“Sexual frequency predicts greater well-being, but more is not always better.”
Fonte: Social Psychological and Personality Science, 7(4), 295–302.
Link para o estudo
→ Relação entre frequência sexual e bem-estar emocional.Brody, S. (2006).
“The relative health benefits of different sexual activities.”
Fonte: Journal of Sexual Medicine, 3(1), 6–19.
→ Sexo vaginal com orgasmo tem efeitos positivos na regulação do humor e redução do stress.Dewitte, M., & Mayer, A. (2018).
“Explicating the Role of Need Frustration in Understanding the Sexual System: A Self-Determination Theory Perspective.”
Fonte: Archives of Sexual Behavior, 47, 2215–2226.
Link
→ Mostra que frustrações nas necessidades sexuais e de intimidade podem gerar emoções negativas, incluindo irritabilidade.
3. Agressividade no trânsito e deslocamento emocional
Baumeister, R. F., & Bushman, B. J. (2016).
“Social Psychology and Human Nature.”
→ Explica como o stress e a frustração são muitas vezes deslocados para contextos como o trânsito, onde há sensação de anonimato e impunidade.Shinar, D. (1998).
“Aggressive driving: the contribution of the drivers and the situation.”
Fonte: Transportation Research Part F: Traffic Psychology and Behaviour, 1(2), 137–160.
→ O comportamento agressivo no trânsito pode ser potenciado por estados emocionais negativos (stress, frustração, raiva acumulada).
4. Psicologia do deslocamento emocional (mecanismo de defesa)
Freud, A. (1936).
“The Ego and the Mechanisms of Defence.”
→ O deslocamento é um mecanismo de defesa inconsciente em que uma emoção (como a frustração sexual) é redirecionada para um alvo mais acessível ou menos ameaçador — como o ciclista na estrada.

