Jenny Rissveds e o direito de ser criança: uma medalha de ouro, uma depressão e uma missão maior
Em 2016, Jenny Rissveds conquistou o que muitos só sonham: a medalha de ouro olímpica no cross-country dos Jogos do Rio de Janeiro. Tinha apenas 22 anos e, meses antes, já se tinha sagrado campeã do mundo sub-23. Era jovem, talentosa e vinda de uma pequena aldeia na Suécia. Parecia que o mundo estava à sua espera.
Mas o que ninguém esperava era o que viria a seguir.
Depois da glória, Jenny mergulhou numa profunda depressão. Perdeu familiares próximos, lutou contra a ansiedade, afastou-se do ciclismo e ficou em silêncio. O peso de ter chegado tão longe, tão cedo, revelou-se mais difícil de suportar do que qualquer subida íngreme de prova.
Jenny percebeu, então, uma verdade dura: nunca lhe tinham dado tempo para ser apenas uma criança.
Team31: dar voz ao que lhe faltou
O regresso de Jenny ao desporto não foi marcado por resultados imediatos, mas por uma causa. Fundou a sua própria equipa: Team31. O nome não é aleatório — é uma homenagem ao Artigo 31 da Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas:
“Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao descanso e aos tempos livres, a brincar e a participar em atividades recreativas próprias da sua idade.”
Jenny sentiu que nunca teve verdadeiramente esse direito. Cresceu entre expectativas, pressão e objetivos definidos por outros. A sua infância e juventude foram consumidas pelo rendimento. A vitória olímpica não preencheu esse vazio — expôs-no.
A Team31 nasceu para lembrar o mundo que nenhuma criança deve ser privada do seu tempo de crescer. E que o desporto deve ser um espaço de desenvolvimento, não de sacrifício precoce.
Quando os adultos querem mais que as crianças
Ao longo de mais de 15 anos como formador de crianças e jovens, assisti vezes demais a um fenómeno preocupante: pais — e também treinadores — com mais vontade de vencer do que as próprias crianças.
Já vi pais de jovens ao meu cuidado pressionarem os filhos até ao limite, muitas vezes sem perceberem o dano que estavam a causar. Noutras situações, observei treinadores a espremer atletas jovens, não para os ajudar a crescer, mas para conquistar títulos, visibilidade ou reconhecimento pessoal.
Treinadores que sacrificam a infância dos seus atletas em busca de uma glória pessoal que nem lhes pertence.
Sempre tentei desafiar esse sistema. Mostrar que o desporto tem um papel fundamental no desenvolvimento humano, que deve ajudar a formar adultos equilibrados, confiantes e felizes. Mas nem sempre foi fácil. Muitas vezes, vi o desporto ser usado para acelerar uma carreira à custa da saúde emocional de uma criança.
A ciência confirma: o impacto é real
A história de Jenny Rissveds está longe de ser um caso isolado. De acordo com um estudo publicado na British Journal of Sports Medicine (2019), cerca de 35% dos atletas de elite apresentam sintomas de depressão, ansiedade ou burnout ao longo da carreira. Em muitos casos, estas situações têm raízes na pressão precoce e na ausência de apoio emocional adequado.
A UNICEF sublinha a importância do direito ao tempo livre, à brincadeira e ao crescimento emocional livre de pressões adultas como pilares fundamentais no desenvolvimento saudável da criança. Quando estes direitos são ignorados, o impacto pode ser profundo e duradouro — tal como o caso de Jenny demonstra.
Muito mais do que títulos
Hoje, Jenny compete com a camisola da sua própria equipa, não apenas por vitórias, mas por um ideal. A 31.ORG promove valores como a saúde mental no desporto, a igualdade de oportunidades, a inclusão e, sobretudo, o respeito pelo tempo e espaço de cada criança e jovem atleta.
Em entrevista à Red Bull, Jenny disse:
“Ganhar uma medalha olímpica foi incrível. Mas perceber que não estava bem, que tinha deixado de ser feliz, foi o mais duro. A minha missão agora é outra: ajudar os outros a não perderem a sua alegria.”
Conclusão: o verdadeiro ouro é o equilíbrio
A história de Jenny Rissveds ensina-nos que o verdadeiro sucesso não está apenas em subir ao pódio, mas em conseguir chegar lá inteiro, feliz e com propósito.
O desporto tem de ser um meio para formar seres humanos saudáveis e realizados, não um fim em si mesmo. E nós, adultos — pais, treinadores, dirigentes — temos a responsabilidade de garantir que nenhuma criança paga com a sua infância o preço de uma medalha que nunca pediu.
O Artigo 31 não é um detalhe jurídico. É um grito de respeito pela infância. E Jenny, com a sua coragem, transformou-o numa bandeira que merece ser erguida por todos nós.
Fontes e estudos citados:
UNICEF. Convenção sobre os Direitos da Criança, Artigo 31. https://www.unicef.org/portugal
Reardon, C. L., & Hainline, B. et al. (2019). Mental health in elite athletes: IOC consensus statement. British Journal of Sports Medicine, 53(11), 667–699.
Entrevista a Jenny Rissveds – Red Bull: https://www.redbull.com

