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Cadência no Ciclismo: O Que É, Como Funciona e Qual a Ideal para Cada Ciclista

A cadência é um dos elementos mais debatidos e, por vezes, mal compreendidos no ciclismo. Seja entre profissionais ou amadores, existe a ideia de que uma certa cadência “ideal” trará melhor desempenho. Mas o que é realmente a cadência, como funciona fisiologicamente e o que dizem os dados sobre o seu impacto no rendimento? Este artigo explora todos esses pontos, com base na evidência e na experiência prática.


O que é a cadência?

No ciclismo, a cadência representa o número de rotações completas dos pedais por minuto (rpm – rotações por minuto). Uma cadência de 90 rpm, por exemplo, significa que cada perna está a completar 90 voltas por minuto. A cadência é o reflexo do ritmo com que o ciclista aplica força nos pedais, sendo influenciada por vários fatores: o tipo de terreno, a condição física, a relação de mudanças e a biomecânica individual.

Importa sublinhar que a cadência não está diretamente ligada à velocidade: é possível pedalar a alta cadência com baixa velocidade (em mudanças leves) ou a baixa cadência com velocidade elevada (em mudanças pesadas), consoante o torque aplicado.


Cadência nos profissionais vs praticantes amadores

Ciclistas World Tour

Estudos científicos e medições em competição indicam que os ciclistas profissionais tendem a pedalar com cadências médias de:

  • 90 a 100 rpm em terreno plano,

  • 70 a 85 rpm em subidas longas,

  • e até 110 rpm em contrarrelógios.

Estas cadências mais elevadas estão associadas a maior eficiência energética em esforços prolongados, ao reduzir o desgaste muscular direto, distribuindo melhor a carga pelo sistema cardiorrespiratório.

Fonte: Lucia et al., “Physiological Characteristics of Professional Cyclists,” Sports Medicine, 2001.

Ciclistas amadores

Entre os praticantes recreativos ou amadores, a cadência tende a ser naturalmente mais baixa:

  • 60 a 80 rpm em plano,

  • 50 a 65 rpm em subidas.

Este padrão está relacionado com menor adaptação neuromuscular, menor economia de pedalada e, muitas vezes, seleção inadequada das mudanças ou geometria do quadro. Contudo, é importante reforçar que estas cadências mais baixas não representam qualquer limitação por si só — são, muitas vezes, o reflexo de uma estratégia confortável, eficiente e sustentável para o corpo de cada ciclista.

Fonte: Henson et al., “Cadence Preferences in Trained vs. Untrained Cyclists,” JSCR, 2006.


Cadência e controlo neuromuscular: o impacto da idade

A capacidade de pedalar com cadência elevada depende de uma boa coordenação entre o sistema nervoso central e os músculos. Este controlo neuromuscular permite enviar sinais rápidos e frequentes às fibras musculares, sobretudo às fibras de contração rápida (tipo II).

Com o avançar da idade, a velocidade de condução nervosa tende a diminuir, o que pode dificultar a manutenção de cadências muito altas. Este fenómeno é natural e progressivo, surgindo geralmente a partir dos 40–50 anos.

No entanto, esta alteração não deve ser encarada como um problema. Muitos ciclistas adaptam-se bem a ritmos mais baixos, com excelente desempenho e menor fadiga. A cadência ideal é individual, e a tentativa de imitar padrões de atletas profissionais pode ser contraproducente, especialmente se desconsiderar as diferenças biomecânicas e fisiológicas.


Como se mede a cadência?

Existem várias ferramentas que permitem medir a cadência com precisão:

  • Sensores específicos de cadência, instalados no pedaleiro ou no braço da pedaleira.

  • Medidores de potência, como pedais ou pedaleiros com sensores integrados.

  • Ciclocomputadores (Garmin, Wahoo, Bryton) que recolhem dados via ANT+ ou Bluetooth.

  • Apps de treino indoor (Zwift, Rouvy, TrainerRoad), que integram medição digital em simuladores.

Estes dados ajudam o ciclista a compreender o seu estilo de pedalada, monitorizar a consistência e, se desejado, realizar treinos específicos de cadência.


Cadência alta vs baixa: o que diz a fisiologia?

⚙️ Cadência elevada (90–110 rpm)

Vantagens:

  • Reduz o torque por pedalada, poupando as articulações.

  • Diminui a fadiga muscular periférica.

  • Promove maior eficiência em esforços prolongados (como provas por etapas).

Desvantagens:

  • Exige maior esforço do sistema cardiovascular.

  • Aumenta o consumo calórico total.

  • Pode ser menos económica para quem não está treinado para manter esse ritmo.

Cadência baixa (60–75 rpm)

Vantagens:

  • Reduz a frequência cardíaca.

  • Maior sensação de controlo em subidas e mudanças de ritmo.

  • Pode favorecer a força muscular localizada.

Desvantagens:

  • Aumenta o stress nas articulações (joelhos e anca).

  • Favorece o acúmulo de fadiga muscular a médio prazo.

  • Exige maior torque por pedalada.

A escolha da cadência deve respeitar o conforto, a biomecânica e o histórico do ciclista, não havendo um “ritmo ideal” universal.


Influência do comprimento dos pedaleiros na cadência

O comprimento dos pedaleiros (cranks) tem impacto direto na cadência e na biomecânica da pedalada. Eis um resumo das principais diferenças:

Tipo Benefícios Prejuízos
Pedaleiros curtos
(160–170 mm) ✅ Permitem cadência mais alta
✅ Reduzem a amplitude articular
✅ Melhoram a recuperação e o conforto articular
✅ Facilitam a posição aerodinâmica (triatlo, CRI) ❌ Menor torque por pedalada
❌ Podem ser menos eficazes em subidas íngremes ou sprints intensos
Pedaleiros longos
(172.5–180 mm) ✅ Aumentam o torque por pedalada
✅ Potencialmente vantajosos em subidas
✅ Podem beneficiar ciclistas com mais força muscular ❌ Aumentam o stress nas articulações
❌ Dificultam cadência alta
❌ Prejudicam a posição aerodinâmica

A escolha deve ter em conta o biotipo, tipo de ciclismo praticado e objetivos específicos, sendo um fator de personalização importante, mas muitas vezes negligenciado.


Conclusão: o ritmo certo é o teu

A cadência é um elemento fundamental na análise da pedalada, mas deve ser interpretada com equilíbrio e respeito pela individualidade. Não existe uma cadência perfeita para todos — existem estilos de pedalada que se ajustam melhor a cada corpo, experiência e objetivo.

Em vez de procurar copiar padrões de elite, o ciclista amador deve focar-se em encontrar o ritmo natural que lhe permita pedalar com eficiência, conforto e prazer. A ciência pode ajudar a compreender, mas é a prática que ensina a sentir.

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