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Como é pedalar pela Estrada Nacional 2? — Etapa pelo Alentejo

O Alentejo é um postal vivo. É como folhear um álbum de fotografias onde todas as imagens são semelhantes: horizontes largos, cores quentes e uma melancolia que se entranha. A dureza aqui não se encontra nas curvas apertadas nem nos desníveis acentuados, mas na monotonia enganadora de estradas longas, retas infinitas e no calor que se distorce no asfalto.

Depois de um bom pequeno-almoço no hotel, às 7h53 iniciei a gravação do trajeto. A preocupação com o calor era grande — temíamos que o sol transformasse cada quilómetro numa batalha. Mas acabámos surpreendidos por um fenómeno meteorológico improvável: tivemos aquilo a que só posso chamar condições perfeitas para pedalar no coração da lezíria alentejana.

O contador dizia 168 quilómetros e escondia 1712 metros de subida positiva acumulada. A realidade, contudo, foi curiosa: não se sente que haja subidas. No Alentejo, a dificuldade não está nas rampas — está no ritmo constante que o terreno exige. São horas sempre a pedalar, sem descidas que aliviem o esforço, sem momentos em que a estrada ofereça descanso.

Cada um acabou por encontrar a sua forma de lidar com isso: uns puxaram ligeiramente mais para se manterem no grupo, outros levantaram o pé para seguir num ritmo mais leve, privilegiando a companhia. No final, a estratégia foi igual para todos: partilhar o caminho e fazer da pedalada um esforço coletivo.

As vilas fantasma

Fizemos algumas paragens, recomendadas tanto por locais como por outros viajantes. E foi essencial. Aqui, não há fontes em cada curva, nem cafés a cada dez quilómetros. Muitas vilas parecem cidades-fantasma: ruas desertas, estabelecimentos quase vazios, um silêncio estranho para quem chega de fora.

Se pedalares por aqui, não ignores um único café, uma mercearia aberta ou uma esplanada à sombra. Troca a água, bebe algo fresco, aproveita. Porque, no Alentejo, dez quilómetros sem abastecimento podem parecer uma eternidade.

A herdade

O descanso dessa noite foi numa unidade de turismo rural, uma herdade típica alentejana. A entrada fez-se por uma estrada de terra batida, com um grande portão a anunciar a propriedade. O espaço era bonito e acolhedor, com piscina exterior e ambiente tranquilo.

As pequenas casas onde ficámos poderiam ter oferecido mais conforto, é verdade, mas o acolhimento humano compensou qualquer detalhe. Tivemos uma garagem própria para guardar as bicicletas, e a proprietária, atenciosa, deixou-nos tudo pronto para o pequeno-almoço à hora que quiséssemos. Assim, pela manhã, tivemos a sala só para nós, com pão regional, bolos caseiros e compotas. Ficou a promessa de voltar para experimentar o pão quente e as panquecas feitas na hora, que só saem depois das nove.

Jantar em Ferreira do Alentejo

Para jantar, fomos até Ferreira do Alentejo, a cerca de seis quilómetros dali. Após algumas peripécias com o restaurante inicialmente previsto, acabámos no “O Portão”. E que sorte tivemos: simpatia no atendimento, comida típica de conforto e umas migas alentejanas que nos encheram de satisfação. A sobremesa foi o ponto alto: um bolo de São Jorge que ainda hoje me deixa a sonhar com aquele sabor.

No Alentejo, é assim: a estrada é dura, a paisagem é melancólica, mas a hospitalidade e a gastronomia conseguem transformar qualquer etapa numa memória inesquecível.

Continua…


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